Notícias

Trilha branca. Essa é a cor que queremos pra música na propaganda?

Trilha branca. Essa é a cor que queremos pra música na propaganda? Elisa Gorgatti

Meu primeiro emprego em publicidade foi na Friends, uma das maiores produtoras de áudio do país na época.

Com o grande Pc Bernardes, aprendi todos os macetes possíveis e imagináveis para se fazer e se gravar um bom jingle. Havia algo de mágico e de multicolorido nas músicas que ele fazia. E o resultado era sempre o mesmo: elas entravam por um ouvido e se alojavam na mente por dias.

Quem trabalha comigo sabe que as inúmeras horas que eu me dediquei observando o processo do Pc noite à dentro, fizeram com que eu herdasse um pouquinho dessa magia e dessa cor. E confesso que não há nada mais gratificante do que ouvir um: “Elisa, não aguento mais ficar com essa música na cabeça.” :P

E se a música está sempre tão presente na nossa vida, acho que já chegou a hora dela também estar mais presente na nossa profissão. E com o mesmo peso que todo o resto.

Como disse no artigo que escrevi para o Meio&Mensagem, sempre me incomodou muito o fato de discutirmos a trilha apenas no final de uma reunião de produção. Isso quando já não se pré-determinou, por falta de verba ou por simples descaso, que a trilha da peça seria branca.

Branca.

Sério?

Você já ouviu alguém pedir pra um Diretor fazer uma direção de fotografia branca? By the way, branco é sempre o inimigo dos diretores de fotografia.

A trilha branca, coitada, cumpre seu papel às vezes. Mas contradizendo o mundo imagético em que todas as cores juntas formam o branco, o mundo sonoro infelizmente não é assim.

Cada nuance de um roteiro, cada emoção, cada momento de uma história corre o risco de perder sua importância quando uma trilha não é concebida de forma original, ou seja, concebida do zero, a partir de um conceito construído em equipe.

Aquela nota aguda e solitária pontuando uma lágrima que cai dos olhos de uma criança, não está ali à toa. E não, não é preciosismo lutar para que ela esteja ali. Sempre.

Na minha opinião, compor uma música a partir de um roteiro ou de uma imagem já captada deveria ser uma regra, porque ela é um elemento fundamental na construção da narrativa e o elemento mais poderoso para exacerbar nossas emoções.

Só que pra gente conseguir chegar nessa fórmula harmoniosa, tem mais uma coisa que precisa deixar de ser branca e branda: a postura das produtoras de áudio.

Músico, por natureza, tem dificuldade de se vender e valorizar sua entrega, eu sei. Sou assim também. Mas precisamos que os clientes e as agências entendam que as produtoras de áudio têm papel importante na concepção criativa da peça.

É preciso que, cada vez mais, os produtores tenham domínio do roteiro como um todo, conheçam as referências trazidas pela agência, discutam de igual pra igual sobre a construção da história que todos ali estão fazendo em conjunto.

Quando o produtor de áudio que está na reunião comigo opina sobre o texto, coloca seu ponto de vista e sugere uma ideia que ninguém ali pensou, eu tenho a certeza de que esse é o caminho.

Porque acreditem, se cada um de vocês, músicos-criativos, trouxerem um pouco desse protagonismo para o brainstorm, aos poucos, a cor da trilha vai mudar.


Elisa é Sócia e Diretora de Criação da Today e Sócia e Compositora no Músicas Personalizadas.